Será que os trabalhos de casa são mesmo necessários?
Trabalhos de casa? Para quê?
Qual o papel da escola?
A escola é uma parte importante da vida de uma criança, permitindo-lhe desenvolver competências muito para além das académicas. Deve ser um local agradável e que cative as crianças no seu desejo mais íntimo de aprendizagem e criatividade.
O desenvolvimento das crianças passa muito pela escola, mas precisam de ter tempo para outro tipo de aprendizagens. Explorar outras coisas, fora do meio académico, é também muito importante.
Garantir o tempo necessário para libertar a mente e descansar é essencial para garantir uma boa aprendizagem de conceitos novos na escola. Elas passam o dia a ler, a aprender novos conceitos de matemática e a memorizar coisas, é natural que o seu cérebro precise de descansar para conseguir consolidar todas essas aprendizagens, caso contrário pode entrar em “burnout”.
Hoje em dia as crianças têm uma agenda que lhes ocupa o dia todo. Desde as horas dentro da sala de aula, as atividades extra curriculares e os trabalhos de casa, fica muito pouco tempo para desenvolver outro tipo de competências que não se desenvolvem na escola.
E os trabalhos de casa?
Todo o tempo é aplicado a tarefas estruturadas que muito pouco, ou nenhum, tempo para a brincadeira livre. Contudo, a vida das crianças não pode ser só escola; as crianças também necessitam de fazer uma pausa (como todos nós) no final do dia.
Todavia, existe uma crença mítica de que as crianças depois de um dia inteiro na escola devem fazer um segundo turno de trabalho: os trabalhos de casa. Estes não são mais do tarefas académicas realizadas em casa, invadindo assim o tempo de família.
Poderíamos pensar que ter que passar uns minutos a acompanhar os TPC dos nossos filhos (que se transformam em horas infinitas, muitas vezes no meio de lágrimas e frustração) seria um mal necessário, em nome de um bem maior, que na verdade todos desconhecemos. Mas não existe nenhum estudo científico que suporte qualquer benefício dos trabalhos de casa. Existem, no entanto, inúmeros estudos que demonstram que os trabalhos de casa podem, sim, ser prejudiciais para as crianças.
Os trabalhos de casa podem afetar negativamente o desenvolvimento e a vida das crianças em idade escolar em diferentes aspetos, nomeadamente levam a um aumento dos níveis de frustração e exaustão dos mais pequenos, à diminuição do tempo para outras atividades ao longo do dia e à perda de interesse e motivação para a própria aprendizagem.
A investigação cientifica tem demonstrado que os níveis de stress e ansiedade aumentam a um nível considerado prejudicial para a saúde, em particular em crianças pequenas, quando muitas vezes elas se sentem a falhar se não fizerem o trabalho de casa a tempo.
Como podemos combater isto?
No que diz respeito a um desenvolvimento global saudável, sabemos que o tempo livre desempenha um papel importantíssimo na promoção da criatividade e do desenvolvimento sócio emocional, tão importantes para o sucesso na vida a longo prazo.
As crianças precisam de tempo para a brincadeira não estruturada, para estar com a família e conversar com os amigos; isto ajuda-as a “limpar” a mente e o corpo para as aprendizagens académicas do dia seguinte. Infelizmente, os trabalhos de casa consomem o tempo que as crianças têm para fazer tudo isso.
Por outro lado, poderíamos pensar que os trabalhos de casa ajudam a melhorar o desempenho cognitivo, mas mais uma vez não passa de um mito. Os trabalhos de casa podem até ter o efeito oposto.
As aprendizagens académicas não se fazem só com as benditas “fichas” que os alunos trazem para casa, há formas muito mais criativas de incentivar a motivação das crianças por este tipo de aprendizagens.
Quanto a outros fatores que os defensores de trabalhos de casa apontam como positivos, como sejam o facto dos trabalhos de casa ajudarem a desenvolver o sentido de responsabilidade, de gestão de tempo ou bons hábitos de estudo, não existe ainda nenhum estudo que o tenha provado.
Como se todas estas razões não fossem suficientes para abandonar este tipo de prática, os trabalhos de casa representam também um impacto negativo para os pais. Todos nós, mães e pais, sentimos no dia a dia a invasão do tempo de família; sem nos apercebermos trocamos tempo de conexão no final do dia por tempo de péssima qualidade (para muitos), afetando negativamente a nossa relação. Passamos a ser os polícias dos nossos filhos e sentimo-nos criticados se não nos envolvermos na realização destes trabalhos.
Acresce a isto o facto de muitos pais se confrontarem com as suas próprias limitações, ao fazerem os trabalhos de casa com os filhos. O currículo escolar mudou, o conhecimento dos pais está muitas vezes desatualizado, ou muitos pais no momento não se lembram de exemplos simples que a criança entenda para explicar algum conceito. Porque os pais não são professores. Não aprenderam a explicar a matéria, o que muitas vezes se torna fonte de conflito familiar no final do dia.
O que fazer, então?
Posto isto, pais, educadores e diretores de escolas, deveriam mudar a perspetiva “jurássica” de que os alunos devem fazer trabalhos de casa todos os dias para apenas momentos em que inequivocamente se identifica que uma determinada tarefa vai trazer benefício para todos os alunos da sala.
Trabalhos de casa podem fazer sentido quando pensados especificamente para as necessidades de cada aluno. Ou melhor ainda, quando se envolvem os alunos na tomada de decisão acerca das tarefas de trabalho para casa, assegurando assim que estamos a contribuir para o desenvolvimento de competências de tomada de decisão e de resolução de problemas no futuro destas crianças.