O que tem de errado o cantinho do pensamento?
Os castigos nas crianças
Apesar de muita evidência científica já ter demonstrado o quão prejudicial o castigo pode ser para a criança, a verdade é que mandar a criança para a cadeirinha do pensamento para “refletir” no seu mau comportamento continua a ser uma das técnicas de disciplina mais popular nos dias de hoje.
Uma pausa para refletir
Superficialmente, a cadeirinha do pensamento até parece sensato. Parece ser uma forma de disciplina não violenta, mas ainda assim chama a atenção da criança para o seu comportamento e promovem uma “pausa” na relação entre os pais e a criança quando os ânimos se elevam.
Mas não é necessário fazermos grandes elaborações de pensamento, e qualquer criança pode explicar-nos que o cantinho do pensamento é uma punição, não muito diferente de outro tipo de punições. E todas as vezes que punimos um filho, fazemo-lo sentir-se pior acerca de si mesmo e corroemos a nossa relação com ele.
Será que os castigos funcionam?
Embora os castigos possam, à primeira vista, parecer eficazes para reprimir maus comportamentos, as evidências da ciência do desenvolvimento infantil sugerem que eles podem fazer muito mais mal do que bem a curto e longo prazo, para além de na maior parte dos casos nem fazerem sentido no seu objetivo de base, que é corrigir o comportamento, por não estarem adaptados à idade da criança e ao seu desenvolvimento.
Quais os danos para o desenvolvimento da criança?
Quando as crianças se “portam mal”, leia-se não obedecem às nossas instruções, elas estão a transmitir-nos da forma que sabem e podem (muitas vezes desafiadora e rude) que têm uma necessidade não atendida. Necessidade esta que pode ser estar com fome, com raiva, a sentir-se só, cansada etc. Isolar a criança quando ela está a ter esta experiência interior, independentemente da sua idade, raramente irá contribuir para ajudar a controlar o seu comportamento.
Somos uma espécie de relação, o que significa que precisamos de conexão para desenvolver e prosperar. A conexão entre a criança e um adulto é uma das bases mais importantes para o desenvolvimento infantil saudável. O pressuposto do castigo é: perante um “mau comportamento” aos olhos do adulto ou perante um conflito de interesses e vontades entre a criança e o adulto, utilizar como solução desconectar a criança do adulto, privar a criança do amor incondicional do seu pai ou mãe como forma de punição, para que assim a criança possa “refletir” no seu mau comportamento, corrigi-lo e não o repetir no futuro.
2 erros na aplicação dos castigos
1- Em primeiro lugar, o pressuposto de que a criança é capaz de refletir, utilizar as suas experiências passadas para retirar conclusões acerca do evento, integrando as memórias associadas com o planeamento da sua ação futura. Ora, estas competências fazem parte do córtex pré frontal, uma área do cérebro que só inicia a sua maturação por volta dos 4 anos e termina por volta dos 25, 30 anos.
2- Em segundo, pressupõe-se também que a criança, num momento de desregulação emocional, é capaz de se regular sozinha e voltar ao seu estado de equilíbrio, sendo que a auto regulação é outra competência que se desenvolve na infância a partir da co regulação do outro, ou seja, o adulto ajuda a criança a regular-se emocionalmente por forma a ajudar a desenvolver esta competência que, convenhamos, muitos adultos à nossa volta falham em colocá-la a funcionar.
O facto de privar a criança do amor incondicional por ela no momento em que mais precisa só irá contribuir para que ela se sinta confusa, com raiva e com um sentimento de abandono pelo que ela é.
Mais ainda, a experiência de rejeição faz com que o fluxo sanguíneo aumente nas mesmas áreas cerebrais onde aumenta quando experimentamos dor física. Fazer com que as crianças se sintam isoladas e rejeitadas faz com que o cérebro reaja da mesma forma que reagiria se lhes batêssemos. A dor emocional é tão real para o cérebro quanto a dor física.
Os problemas dos castigos a longo prazo
No que diz respeito ao impacto dos castigos no futuro, existem mais aspetos negativos do que positivos. O cérebro tem uma capacidade notável de se adaptar ao mundo exterior e às suas circunstâncias, por isso somos o mamífero que nasce com menor percentagem de cérebro desenvolvido (cerca de 25%) e somos o único mamífero capaz de viver em meios tão adversos no planeta e até pensar em habitar outros planetas. Mas isto também quer dizer que o cérebro fica vulnerável a estas experiencias, exatamente para se adaptar, o que significa que as experiências mais frequentes são incorporadas no projeto de vida da criança, na sua personalidade, na sua mente e no seu cérebro. A criança passa a esperar que neste tipo de situações o resultado seja o isolamento, o que em última instância a levará a ficar mais ansiosa, deprimida e com baixa auto estima.
Os estágios normais do desenvolvimento infantil desempenham um papel fundamental no controlo que a criança consegue ter do seu comportamento. As crianças não são mini adultos. Isso significa que as crianças não podem – em vez de não querem – seguir as nossas instruções no que diz respeito ao seu comportamento. Este autocontrolo, que vemos muitas vezes a ser exigido aos mais pequenos, surge gradualmente por meio da maturação cerebral, que depende das experiências que a criança vive.
O que diz a ciência?
Como se tudo isto não bastasse, não é de surpreender que a pesquisa demonstre também que os castigos não melhoram necessariamente o comportamento. Aparentemente, os castigos são eficazes para fazer com que as crianças obedeçam, mas apenas temporariamente, pois as crianças que são castigadas tendem a comportar-se pior e mais vezes no futuro quando comparadas com crianças que não são castigadas. O facto delas se comportarem pior tem a ver com a sua reação à perceção de isolamento afetivo, dado o quanto as crianças precisam se sentir conectadas a nós para se sentirem seguras.
Os castigos ensinam as lições erradas e não funcionam para criar crianças melhor comportadas. Na verdade, eles tendem a piorar o comportamento das crianças e a afetar negativamente e para sempre a nossa relação com elas.
O castigo ensina: “quando tu fizeres algo de que eu não gosto, eu vou rejeitar-te”. Ensina as crianças que, quando não atuam como nós queremos, não vamos querer estar perto delas até que consigam comportar-se de uma maneira que nos agrade.
Escusado será dizer que o nosso senso comum nos diz, e a ciência confirma, que os humanos, especialmente as crianças, lidam melhor com o sofrimento e os momentos adversos quando têm o apoio das pessoas que os amam. Porque nesses momentos, mais do que tudo, precisamos de ser acalmados e cuidados por pessoas em quem confiamos.
Quando as crianças se portam mal, elas não precisam de repreensão. Elas precisam de compreensão. Colocá-las na cadeirinha do pensamento deixa-as a sofrer sozinhas.
O que devemos, então, fazer?
Quando as crianças se portam mal, podemos escolher afastar-nos delas, ignorando-as. Ou podemos voltar-nos para elas e ver o seu comportamento difícil como uma possibilidade de resolver problemas juntos, em equipa, e uma oportunidade para desenvolver a empatia e a conexão entre nós e elas.
As crianças vão sempre agir como crianças. Como adultos, cabe-nos a nós decidir como vamos agir.
A disciplina que envolve colocar-se no lugar do outro, conversar, construção de trabalho a dois, permite que as nossas crianças desenvolvam competência fundamentais para a vida. Cria conexões em vez de destruir relações.